Este pretende ser um espaço de divulgação de coisas que venho produzindo ao longo dos anos. Sem pressa. Afinal, "de preguiça em preguiça, também se enche boa linguiça".


domingo, 10 de março de 2019

Elodumare

o antes-de-tudo antes da própria existência do nada muito antes do espectro de palavras:
a engrenagem quântica de deus

Psiu

 



psiu, atenta: na palavra dorme  uma tigresa  debruçada em seu instinto alerta de mãe e fera 

na savana onde é tudo engenho e presa,

onde é tudo espasmo e espera 

ambidorme essa  tigresa

 

1. (in "Corpo")

Corpo 1
sobre meu corpo pesa a mão de uma criança
talhada em bronze bruto
esse meu corpo astuto lépido  banzo
meu corpo sempre à mão

esse corpo vestido de outro
esse corpo dos outros
lucrativo corpo, solitário de si mesmo
sobre ele sobrepesa a mão de uma criança
talhada no bronze rude
esse corpo festa, meu corpo fábrica, sepulcro
   

quarta-feira, 6 de março de 2019

6. (in "Suicídios")

vezes fico assim:

só comigo

 eu mesmo só em mim


vezes me recolho enfim

embrião

sertão


mas súbito do inviável não sugere um possível sim,

entre um e outro

viro ventre:

embrião, amendoim

oyás

o olho
liberta do óleo derramado
suas borboletas fluidas
desconcertado,
o concreto recolhe-se a seu natural obscurantismo
se escondendo na sombra infinita

ao longe uma buzina socorre:
grita
estrila
ameaça!

mas nada poderiam contra essas
mil oyás espectrais:

vindas de longa linhagem
só se rendem ao convite das flores
da brisa solta
jamais à fúria da fuligem


domingo, 3 de março de 2019

Não, nunca

nunca duvidar de uma palavra

nessa miríade multiclara 

tudo não passa da mais enganosa verdade


não nunca desprezar as palavras

mesmo aquelas que orbitam agora em torno do nada

guardo na geladeira conservo


logo elas saberão a hora de se encontrar, de trocar seu beijo 

enlaçar-se ambiguamente


logo soarão entre si seus sinos, recriarão sentidos


palavras quando se tocam

adquirem a mania de reescrever dicionários


domingo, 24 de fevereiro de 2019

Pombos


era uma vez passarinhos que perderam a perspectiva do azul

e, desaprendendo ciscar os horizontes,

trocaram as roupas de pássaro

pela utilidade inútil dos casacos de pena triste das galinhas


amar verbo substantivo

dizer que  te amo?
te pergunto como
como amar alguém
se amar não se empresta?
quem ama se encontra na mais profunda solidão
a solidão de uma rua sem um cão
a solidão de um cão sem seu dono
como?
se amar requer essas coisas
repousadas na cristaleira
coração de louça herdada de família
um bilhete amarelado na memória profunda de alguma
velha gaveta
de uma fotografia acinzentada e quase sem rostos...
aquele silêncio prolixo
entre talheres...
dizer que te amo?
te pergunto quando
se o amar é coisa
feita de pedaços de outras coisas sem carne nem ossos:
o brinde nas núpcias
a mão pequena sobre o ombro capitulado de tão antigo
a voz quase imperceptível do filho
que não se corresponde nem liga
envelhecermos juntos sobre a  cadeira instável
e o balançar do tempo no relógio preso à parede
(únicos seres vivos da casa)?
o almoço de domingos domesticamente iguais
enrijecermos juntos!
me amas? interrogas!
pergunto eu como ?
se amar  é querer decifrar o outro.
E como posso, se mesmo quem ama se desconhece?