Este pretende ser um espaço de divulgação de coisas que venho produzindo ao longo dos anos. Sem pressa. Afinal, "de preguiça em preguiça, também se enche boa linguiça".


domingo, 24 de fevereiro de 2019

Pombos


era uma vez passarinhos que perderam a perspectiva do azul

e, desaprendendo ciscar os horizontes,

trocaram as roupas de pássaro

pela utilidade inútil dos casacos de pena triste das galinhas


amar verbo substantivo

dizer que  te amo?
te pergunto como
como amar alguém
se amar não se empresta?
quem ama se encontra na mais profunda solidão
a solidão de uma rua sem um cão
a solidão de um cão sem seu dono
como?
se amar requer essas coisas
repousadas na cristaleira
coração de louça herdada de família
um bilhete amarelado na memória profunda de alguma
velha gaveta
de uma fotografia acinzentada e quase sem rostos...
aquele silêncio prolixo
entre talheres...
dizer que te amo?
te pergunto quando
se o amar é coisa
feita de pedaços de outras coisas sem carne nem ossos:
o brinde nas núpcias
a mão pequena sobre o ombro capitulado de tão antigo
a voz quase imperceptível do filho
que não se corresponde nem liga
envelhecermos juntos sobre a  cadeira instável
e o balançar do tempo no relógio preso à parede
(únicos seres vivos da casa)?
o almoço de domingos domesticamente iguais
enrijecermos juntos!
me amas? interrogas!
pergunto eu como ?
se amar  é querer decifrar o outro.
E como posso, se mesmo quem ama se desconhece?