Este pretende ser um espaço de divulgação de coisas que venho produzindo ao longo dos anos. Sem pressa. Afinal, "de preguiça em preguiça, também se enche boa linguiça".


sábado, 28 de novembro de 2020

Elodumare


brilhar entre as estrelas, meu destino de marinheiro, eu que tenho em mim o oceano do universo inteiro 

por enquanto

por enquanto só este sol de janeiro
sob o signo de capricórnio

este céu intempestivo
como qualquer ser vivo
sujeito tanto às tempestades quanto ao azulamento mais inconsequente

mas hoje não, neste exato momento
 quando descubro em mim mesmo esse silêncio marinho de concha
essa forma ensimesmada de ostra
essa forma do que reúne toda existência num único átmo inconsciente do tempo

e contemplo apenas a pérola filosofal do instante, 

neste infinito instante infinito

terça-feira, 24 de novembro de 2020

XI [in "Pós-haicais!"]

 

passo a passo o pássaro

passa de nuvens despido

aquele pássaro abatido 


 

IX [ in Pós-hacais!]

 

 

os velhos romanos declinavam, portugueses ainda concordam, eu mouro bardo mordo a língua


2. [ in "Universos & Diversos]

 


vezes me sinto tão só e  a solidão é tamanha que nem  essa mesma solidão me acompanha


9. [ in "Suicídios" ]

 VIII

saio de mim pra me internar nalgum cômodo:

a casa enorme   não dorme, não ruge nem range

mas  insiste sádica em  convencer  as janelas que depois delas  não haverá  qualquer paisagem

8. [ in "Poemas de passagem" ]

 

8.

 volta 1. substantivo abstrato; 2.curva extrema que fazem os cegos de sentidos; 3. ilusão de ótica:

jamais se volta como um dia se foi

1. [in Universos & Diversos]

O amor líquido de dois batráquios reside                                                  [no ínfimo paço  entre sobressalto e tédio, beijo e  brejo


a dylan thomas pelo aniversário

“Onde o mar não corre,
 as águas do coração impulsionam suas marés ”.
(Dylan Thomas)

ao contrário desse mar inseguro
meu coração maior que eu se espande e avança de mãos abertas  na sua direção, irmão

ambicioso,
esse meu coração contagioso
pretende um dia provocar uma incontrolável pandemia 

paisagem sobre rodas



  na velocidade, quando pode

            toda a paisagem foge

                                 faz psiu   e    tchau                                                                                                                                         

 

 ( in "Poemas de passagem")

1. carta [ in "Resmungos de Sísifo"]


 1.      carta


caro sísifo, 

se escrevo curto e grosso,

(é que não  sou de meias palavras,

gosto delas mesmo dilaceradas)


saiba, camarada: sofrer caiu em desuso,

como diria um filosofista do samba:

pedra não é trabalho pra pagão

 

inda mais quando o fardo que se carrega

essa humana pedra  é assim tão arredia

esse atávico incômodo, 

esse claro protovômito,

noite-e-dia

 

ah meu sísifo, carregar  pedra não é ofício digno

pra pagãos nem pra santos nem drummonds

[in "Resmungos de Sísifo"]


segunda-feira, 23 de novembro de 2020

2. ("Do lembrar e do deslembrar")

 


escrevo por motivo simples quase simplório

nada aspiro de sublime nem peremptório

escrevo  num anseio  quase shakspeariano:

pra te lembrar de um átimo do último pano

ou pra que simplesmente  não me esqueças

ao menos até a próxima sexta


3. ("Do lembrar e do deslembrar")

 

3.

 lida lida eterna vida se me chamasse raimundo pegava um pau de ara

e dava de cara adentro desse mundo mundo devastado mundo

–  vida vida eterna lida,  mais vale o bruto verso obtuso e capenga 

que a mera mesma rima

3. (Universos & Diversos)

 




 direito ao contraditório: ohlepse orem azerutan rop ajes euq oliuqa odut oiròtpmerep  ogen

saber ler

 

saber ler

 

pra quem sabe ler

um pingo jamais será só letra

talvez sol

talvez manhã de sol

talvez o sol de manhã fluorescente no céu  fictício do papel

talvez o ofício fluorescente de um sol matinal no céu  fictício do papel matinal

 

pra quem sabe ler um ponto jamais estará só

 

e ponto





o espelho turvo de sísifo

-- maldição, lamenta sísifo, 

não é o peso da pedra

nem a quilometricamente arfante subida, 

nem mesmo o despencar sem surpresas

desse ofício patético de besta

– a  pena, lamenta,  seria no fundo e ao fim de tudo,

dar de cara comigo mesmo a cada queda,

irrediavelmente o mesmo

balinhas

 

balinhas

 o papel vermelho que envolve bala rude

o papel  crocante que envolve bala rubra

o papel sedoso que envolve doce a bala sanguínea

 

mal esconde a cárie aberta no peito frio, num belo espetáculo jornalístico

bandeira de papel, comoção e ódio reverenciada  na esquina,

banhada numa poça violenta, dor eternizada pelo flash instantâneo

sussurra a voz fantasma de crianças: as balas não são feitas de infância





sexta-feira, 20 de novembro de 2020

estar vivo

Estar vivo basta?  receber o dia com voluntarismo de beatas todos os dias,
mesmo que as quisesse mortas sob o ônibus lotado de todos os dias?

Egradecer a deus e pronto? mesmo que em sua sabedoria sádica me mandasse dar sempre a outra alface?
Ainda que jamais tenha dado o ar de sua graça?

estar vivo apenas basta?

onde os dentes enluarados?
a felicidade-reclame?
onde meu arco-íris de bolso? 

Estar vivo apenas ?  Grande bosta!

1. (in "do lembrar e do deslembrar") e o amor truffaut-se

esqueci meu amor naquele cinema
depois dos quatrocentos golpes
que tu me deste
no o amor que era vidro
e se cortou

uma pena esse amor tāo pluma ter voado paisagem afora,
ter ganhado o torvelinho das ruas onde um amor flutuante vira apenas pó

mas amor não se remenda, do amor, mesmo sem roteiro, já se sabe o rito:

 um dia,
la fìn, the end,
è finito!

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

dante

 inferno de dantes

 

certos poemas não vão dar fruto

por melhor que seja a intenção da jardinagem 

 

há poemas que não se tecem com intenção nem pluma


tenta-se alinha-se desmonta-se

requenta-se


ousou-se de tudo que esteve à mão:

músculo

metafísica

diapasão e fronte

mas no fim, 


onde o horizonte? depois ou dantes? 


o ofício  tem disso:

certos poemas são teimosos, incorrigíveis


esses então mando pros diabos!

 

ou um poema se remenda ou volta pro lugar de onde veio,

pois piamente creio: de maus poemas, o paraíso dos poetas deve andar bastante cheio