Este pretende ser um espaço de divulgação de coisas que venho produzindo ao longo dos anos. Sem pressa. Afinal, "de preguiça em preguiça, também se enche boa linguiça".


quinta-feira, 23 de novembro de 2023

sentado ao lado de Tolstói sem Quintana

"O velho Leon Tolstói fugiu de casa aos oitenta anos
E foi morrer na gare de Astapovo!"
(Mário Quintana)

I

ali se sentou um dia carregando a casa nas costas, por mais que se tentasse,
fugir é improvável,
a mulher os filhos o reboco esburacado,  uma parede não erguida
 rachaduras 
tudo lhe pesava 

sentou apenas ao lado das lembranças
daquele velho banco
caramujo em silêncio de planta
em solidão de jardim extinto
sentou naquele banco daquela última estação de trens fantasmas 

sentou-se e não havia poesia
nem romance, nem Tolstói nem Quintana
viriam socorrê-lo

agora apenas a brutalidade de um sol breve,
de uma brisa maternalmente distante

uma última lembrança sobreveio: a concha pesou demais: deixou-se ficar até ver detrás da janela o último trem finalmente partir da velha estação 
onde peanecera sentado sem nenhum espanto

II

Tolstói não imaginava que um dia Quintana faria um poema sobre a capacidade de se morrer tão pateticamente

Já Quintana deve ter pensado: que há de mais patético que ser poeta?

mãos à obra:
o que tinha sido mero banco, uma estaçãozinha de nome esquisito, 
a ficção de uma vida inteira
envelheceram cem anos
da sua morte como matéria bruta
à transformação em álcool, 
da inércia etílica, à embriaguez 
e finalmente à náusea seguinte
(ou mesmo até o segundo engov)