Este pretende ser um espaço de divulgação de coisas que venho produzindo ao longo dos anos. Sem pressa. Afinal, "de preguiça em preguiça, também se enche boa linguiça".


sábado, 3 de dezembro de 2022

Suicídios - 5

-que que há basquiat?

- é essa droga diária que deforma espanto e abraço,

que arranca milhões de olhos da luz e
condena as cores ao mais pálido embaraço?

Que que há então, meu irmão basquiat?

- reanimar o espírito mais remoto do traço
compartilhar nessa tela
o esqueleto vigoroso
e  perplexo do escárnio celebrar o triunfo da vida sobre a mortai

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

ironia

Alguém exclamou um dia: cruzes cadê tua ironia?

nasci numa rua  empoeirada,  sem água de beber com esgoto exposto em forma de hemorragia num canto de uma inesgotável são gonçalo e fazer poesia

gritou de lá um ortodoxo: isso está mais para um paradoxo 

Paradoxo é continuar vivo.

Ou quase vivo.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

poemas de viagem III

adeus: sussurra a distância se consubistanciando em si mesma
(poemas em viagem)

sexta-feira, 25 de março de 2022

a outra carta, in Suicídios

escrever é sempre passado 
é sempre intenção frustrada
 uma  ontologia de reminiscências,
inventário 
réquiem 

por isso uma carta será sempre patética 

a doença do filho
uma saudade 
o silêncio escondido na confissão de uma alegria

toda escrita é uma carta
misto de árvores sepultadas e afetos ainda vivos

uma carta antes mesmo de ser escrita 
já é uma idosa prostrada numa janela 
sem paisagem palpável
uma flor resgatada de dentro de um velho livro empoeirado

 caberá ao leitor reidratá-la (decifra-me ou te devoro, intima a esfinge) 


chorar

CHORAR


tenho saudades, saudades de ti,

 saudades da infância,

daquela viagem a itaocara de onde o coração nunca mais voltou


lembra daquelas viagens ao cinturão de Órion no tempo em que a gravidade

tinha leis que ainda nos permitiam alguma ilusão?


chorar é catarse às avessas:

chorar me recarrega de mim mesmo


choro  porque ser um homem velho

indiferente a um mundo insistentemente jovem

porque sou um homem frágil entre fantasmas gigantescos 


choro quando ao som de debussy

encontro guinga também chorando por caminhos lindamente tortuosos


choro por humano que sou

por ser uma forma  de redenção humana 


chorar pela filha que casa

pela neta que nasce

pela saudade amargada na distância

chorar, com atraso de anos,

aquele tio desaparecido,


pelo amor acabado, 

pelo amor


o choro do primeiro dia de escola

suavizado pela imagem da professora mais linda de todas porque era só sua


o choro da primeira menarca quando o jardim cresce à volta e tudo vira floresta 

semeada entre sombra, luzes e lobos


chorar diante da humilhação diária,

nossa humilhação diária de cada minuto

sob a pele negra, sob a pele de mulher

sob a pele operária


chorar faz sentir em mim a sua dor


enfim chorar porque o choro

tem a potência

de me transformar no outro