Este pretende ser um espaço de divulgação de coisas que venho produzindo ao longo dos anos. Sem pressa. Afinal, "de preguiça em preguiça, também se enche boa linguiça".


quinta-feira, 16 de setembro de 2021

ser simples

um dia do alto da arrogância
regurgitei um verso rouco,
 pretensiosamente raro
desses versos guturais arrancados  na superficialidade truncada das adolescências

mais tarde, bem mais tarde, aquele jovem 
teria me ouvido segredar um arrependimento sucinto e primário:

ser simples, meu caro

quarta-feira, 2 de junho de 2021

universos&diversos

com sorte, uma bússola perdida de seu único norte apontaria toda   horizontes      

terça-feira, 1 de junho de 2021

refazendo a manhã

REFAZENDO A MANHÃ*

o dia mal acorda e já promete pouco. muito pouco

onde depositar meu sono, se de ontem mal sobrou corpo ?

pergunto sonolento
 ao relógio prestes a explodir:
as pequenas  urgências humanas desimportam?
o beijo o sexo o ócio?
não nada importa me responde
o monocórdico alarme
então: levanta!
mesmo que não acorde,
apenas levanta, ó grande paquiderme


beijar as filhas, a companheira, o cachorro?
nada disso importa?

não, apenas levanta e caminha,
conduz o que te resta de sombra
rumo ao dia com essa consciência de névoa

e se vá com essas pernas de garça nesse corpo de elefante amnésico.

Mas hoje resolvi  ficar surdo aos seu desmandos

e me reviro na cama incomodada de mim com a paz de espírito de um revolucionário em repouso inquieto:


não demora, ganho as ruas atento 
radicalmente atento no meu sonho

*Dedicado ao poeta Sérgio Luís dos Pinto

domingo, 30 de maio de 2021

Poeminha rápido

um ano correndo atrás da palavra exata,
e agora que tropeço nela
rolo escada abaixo e vejo todo projeto aos cacos,
sinto como a danada me quebrasse
a perna os ossos e todos os braços

palavras são irmãs mais velhas dos sacis e curupiras gouches

um mero golpe do acaso
ou a simples indigência do traço 
nunca determinarão o tamanho da fratura
mas compensa talvez a brevidade do voo antes da queda

segunda-feira, 17 de maio de 2021

Corpo - 3

no passado quando escravo bambeava das pernas
nhô sentenciava: esse nego tá banzo
nego banzo não presta!

logo a chibata (sempre faminta) comia raivosa a carne barata

alguma senhora rosada daquelas que não podiam ver
um preto mole amenizaria:
ó pá isso é falta de deus

ajoelhava e rezava sua reza segredada, sua ladainha sussurrada no escuro de trás do amo
até botar aquele preto de novo na função
(...)

mais tarde os filhos corretamente brancos daqueles
provariam em tese que aquilo
era estigma, desgraça da raça
doença contagiosa como a cor a alegria a libertinagem e a cachaça

mas saiba meu caro
que embora sem correntes
vivo de aprisionado
que embora neste solo nascido
sou de fato degredado,

e como mal cristão vos aviso
que nada disso é maldição
de santo nem saudade quebranto nem mazela:

essa tremedeira de hoje é ódio acorrentado!
vontade  de arrancar viva essa sua moela!

terça-feira, 11 de maio de 2021

Dia desses

bilhete a Vânia Banbirra

dia desses que já não se tenha que disputar papel com a ventania,

poderemos passear por essa orla sob os trópicos sem a sensação de ânsia fria na boca pouca ,
na pobre boca do estômago vazia e rouca

dia desses (e sim virá esse dia) que já não se tenha que disputar a humanidade com a mais valia

sentaremos alguns momentos sob a sombra inquieta dos coqueiros  para admirar o riso refrescante das crianças 

Aguada em marcha que a vida cria.







mesa


a toalha
os talheres espiam
o prato sujo de ontem

a janela diz que

I

Saio de casa pra não ficar da cor das paredes,

da condição inerte dos móveis

por seu lado as pernas quase surpresas vacilam, resmungam
os anos pesam tanto quanto a vontade de ver o mundo acordar

são ingratas essas pernas que parece nasceram bem antes de mim
tão antigas minhas  pernas!
 
hoje, dois velhos pescadores  embriagados numa  birosca  saudosa do mar


duas velhas tias solitárias morando juntas

Cidade adentro lll

 III 

* Saio vestido com meu casaco invisível de camaleão (Cidade a dentro)

* Por ali passava o trem. Sua ausência hoje me atropela em mil pedaços 

sigo atrás do sol, inelutável condição humana

(passos lentos;  velocidades já não me apaixonam)

as  pernas das  moças têm  urgências,

não as minhas

elas caminham como se o tempo fosse traí-las na próxima esquina

eu, que já extingui os relógios,

caminho!

consulto meu corpo passo a passo (joelhos, ilusões, crenças, pulso), e ele responde pouco, 

mas como  nunca, sorri!

pobre velho corpo quase esquizofrênico:

(a pele vai murchando como um casaco de loja barata vendo o modelo e o brilho se esgarçarem ao mesmo tempo),

inexplicavelmente, sorri 

o esqueleto já pouco confiável vai declinando de suportar  o peso do mundo

é um fardo, mas sinto já ter vindo longe demais pra abandoná-lo

os músculos, esses derreteram exaustos de tanto malhar em ferro frio, em fogo frágil

porém, mesmo sem um mote, meu corpo sorri diante da capacidade mecânica de ainda emular nitidamente movimentos quase esquecidos

Sádico ou apenas amadureceu antes de mim? Saberá ele, na sua forma primitiva, de segredos absolutos?

Sem resposta, caminho

É primavera e percebo que só os olhos não envelheceram parece 

faróis rebeldes, vão ficando menos míopes a cada detalhe invisível 

imagem por imagem, gesto por gesto , diante de cada paisagem passada,  intenção, delito ou glória já pouco se chocam

os olhos vão aprendendo : tudo é sabidamente transitório mesmo que sabidamente circulares

Esses meus olhos estranhos se tornaram mais íntimos ao longo dos anos

hoje conversam entre si, se apertam discordam e se confortam para além do óbvio ou da catarata,

(agora mal preciso abri-los para intuir o caos no mundo)

caminho e penso:

envelhecer talvez seja ir transferindo a musculatura para a alma






Tempestades

nesses dias só-nuvem, dias em que 
assistimos em paralisia aos ensaios da tempestade,
nesse tempo da história  contada pelas trovoadas, 

nos encolhemos pequenos e cobrimos espelhos como velhas avós  tementes aos deuses

mas que seja apenas até nossa humanidade se encontrar com amanhã

usemos esse tempo de fúria e medo, de fogo e espasmo para desvelar os espelhos, para encobrir os deuses

debochemos de deus então

ao meu desacontecimento

confesso talvez eu morra um dia e se isso acontecer de fato, que seja num relance surpreendente entre uma alegoria do salgueiro e um tiro de misericórdia da revolução
Quem sabe se morro e caso morra seja de súbito, de susto como meus tios que
deixaram muita gente aos prantos e uma gargalhada tronitonante que ainda ecoa na varanda da casa
Se eu morrer que seja como foi minha mãe, segundo dizem,  passarinho

mas passarinho não se deita sobre aquele sorriso de profunda felicidade

nem faz das mãos travesseiro de nuvens mansas qual os anjos dos anúncios de natal

caso morra, que seja assim, mas sem a dor de minha tia dorcelina nem de meu pai  morto mais da saudade do que da dor que o abraçou até sofocar cada uma de suas poucas alegrias antigas

se morrer, caso um dia eu desaconteça , que nao seja de decepção por nao ter valido de nada: que tenha importado ao menos numa linhap, pequena frase

 ao menos um breve e vago verso 

domingo, 9 de maio de 2021

insônia

Insônia


despencar do colo morno da musa entorpecida,

num sobressalto,
vir ao chão duro da manhã com este verso mal ajambrado na cabeça,

é ter a clareza de um dia inteiro da mais incômodada insônia 

ah maldição de quem carrega a pena

ah essa vigília diária de meses, anos

 a vida inteira


segunda-feira, 3 de maio de 2021

[ in "Poemas de passagem"]

 adeus:


sussurrava a distância  se  dis

         so                                                   

                         L

                                    ven                                   

                                                                              do


em si mesma




(poemas em viagem)


quarta-feira, 28 de abril de 2021

caminhar

I

Saio de casa pra não ficar da cor das paredes,
da condição inerte dos móveis

por seu lado as pernas quase surpresas vacilam, resmungam
os anos pesam tanto quanto a vontade de ver o mundo acordar

são ingratas essas pernas que parece nasceram bem antes de mim
tão antigas minhas  pernas!
 
hoje, dois velhos pescadores  embriagados numa  birosca  saudosa do mar


duas velhas tias solitárias morando juntas

sábado, 9 de janeiro de 2021

favela baixada e outros becos

I

a vida é só um átimo, um espasmo sanguineo num
 quarto de despejo de algum beco mal iluminado

mas como dói profunda e eternamente!