Este pretende ser um espaço de divulgação de coisas que venho produzindo ao longo dos anos. Sem pressa. Afinal, "de preguiça em preguiça, também se enche boa linguiça".
quinta-feira, 16 de setembro de 2021
ser simples
quarta-feira, 2 de junho de 2021
terça-feira, 1 de junho de 2021
refazendo a manhã
REFAZENDO A MANHÃ*
o dia mal acorda e já promete pouco. muito pouco
e me reviro na cama incomodada de mim com a paz de espírito de um revolucionário em repouso inquieto:
domingo, 30 de maio de 2021
Poeminha rápido
rolo escada abaixo e vejo todo projeto aos cacos,
a perna os ossos e todos os braços
segunda-feira, 17 de maio de 2021
Corpo - 3
no passado quando escravo bambeava das pernas
nhô sentenciava: esse nego tá banzo
nego banzo não presta!
logo a chibata (sempre faminta) comia raivosa a carne barata
alguma senhora rosada daquelas que não podiam ver
um preto mole amenizaria:
ó pá isso é falta de deus
ajoelhava e rezava sua reza segredada, sua ladainha sussurrada no escuro de trás do amo
até botar aquele preto de novo na função
(...)
mais tarde os filhos corretamente brancos daqueles
provariam em tese que aquilo
era estigma, desgraça da raça
doença contagiosa como a cor a alegria a libertinagem e a cachaça
mas saiba meu caro
que embora sem correntes
vivo de aprisionado
que embora neste solo nascido
sou de fato degredado,
e como mal cristão vos aviso
que nada disso é maldição
de santo nem saudade quebranto nem mazela:
essa tremedeira de hoje é ódio acorrentado!
vontade de arrancar viva essa sua moela!
terça-feira, 11 de maio de 2021
Dia desses
bilhete a Vânia Banbirra
dia desses que já não se tenha que disputar papel com a ventania,
poderemos passear por essa orla sob os trópicos sem a sensação de ânsia fria na boca pouca ,
na pobre boca do estômago vazia e rouca
dia desses (e sim virá esse dia) que já não se tenha que disputar a humanidade com a mais valia
sentaremos alguns momentos sob a sombra inquieta dos coqueiros para admirar o riso refrescante das crianças
Aguada em marcha que a vida cria.
mesa
a toalha
os talheres espiam
o prato sujo de ontem
a janela diz que
Saio de casa pra não ficar da cor das paredes,
Cidade adentro lll
III
* Saio vestido com meu casaco invisível de camaleão (Cidade a dentro)
* Por ali passava o trem. Sua ausência hoje me atropela em mil pedaços
sigo atrás do sol, inelutável condição humana
(passos lentos; velocidades já não me apaixonam)
as pernas das moças têm urgências,
não as minhas
elas caminham como se o tempo fosse traí-las na próxima esquina
eu, que já extingui os relógios,
caminho!
consulto meu corpo passo a passo (joelhos, ilusões, crenças, pulso), e ele responde pouco,
mas como nunca, sorri!
pobre velho corpo quase esquizofrênico:
(a pele vai murchando como um casaco de loja barata vendo o modelo e o brilho se esgarçarem ao mesmo tempo),
inexplicavelmente, sorri
o esqueleto já pouco confiável vai declinando de suportar o peso do mundo
é um fardo, mas sinto já ter vindo longe demais pra abandoná-lo
os músculos, esses derreteram exaustos de tanto malhar em ferro frio, em fogo frágil
porém, mesmo sem um mote, meu corpo sorri diante da capacidade mecânica de ainda emular nitidamente movimentos quase esquecidos
Sádico ou apenas amadureceu antes de mim? Saberá ele, na sua forma primitiva, de segredos absolutos?
Sem resposta, caminho
É primavera e percebo que só os olhos não envelheceram parece
faróis rebeldes, vão ficando menos míopes a cada detalhe invisível
imagem por imagem, gesto por gesto , diante de cada paisagem passada, intenção, delito ou glória já pouco se chocam
os olhos vão aprendendo : tudo é sabidamente transitório mesmo que sabidamente circulares
Esses meus olhos estranhos se tornaram mais íntimos ao longo dos anos
hoje conversam entre si, se apertam discordam e se confortam para além do óbvio ou da catarata,
(agora mal preciso abri-los para intuir o caos no mundo)
caminho e penso:
envelhecer talvez seja ir transferindo a musculatura para a alma
Tempestades
nesses dias só-nuvem, dias em que
assistimos em paralisia aos ensaios da tempestade,
nesse tempo da história contada pelas trovoadas,
nos encolhemos pequenos e cobrimos espelhos como velhas avós tementes aos deuses
mas que seja apenas até nossa humanidade se encontrar com amanhã
usemos esse tempo de fúria e medo, de fogo e espasmo para desvelar os espelhos, para encobrir os deuses
debochemos de deus então
ao meu desacontecimento
confesso talvez eu morra um dia e se isso acontecer de fato, que seja num relance surpreendente entre uma alegoria do salgueiro e um tiro de misericórdia da revolução
Quem sabe se morro e caso morra seja de súbito, de susto como meus tios que
deixaram muita gente aos prantos e uma gargalhada tronitonante que ainda ecoa na varanda da casa
Se eu morrer que seja como foi minha mãe, segundo dizem, passarinho
mas passarinho não se deita sobre aquele sorriso de profunda felicidade
nem faz das mãos travesseiro de nuvens mansas qual os anjos dos anúncios de natal
caso morra, que seja assim, mas sem a dor de minha tia dorcelina nem de meu pai morto mais da saudade do que da dor que o abraçou até sofocar cada uma de suas poucas alegrias antigas
se morrer, caso um dia eu desaconteça , que nao seja de decepção por nao ter valido de nada: que tenha importado ao menos numa linhap, pequena frase
ao menos um breve e vago verso
domingo, 9 de maio de 2021
insônia
Insônia
despencar do colo morno da musa entorpecida,
num sobressalto,
vir ao chão duro da manhã com este verso mal ajambrado na cabeça,
é ter a clareza de um dia inteiro da mais incômodada insônia
ah maldição de quem carrega a pena
ah essa vigília diária de meses, anos
a vida inteira
segunda-feira, 3 de maio de 2021
[ in "Poemas de passagem"]
adeus:
sussurrava a distância se dis
so
L
ven
do
em si mesma
(poemas em viagem)